Enquanto o mundo tecnológico estava vidrado nas notícias vindas de Cupertino, como se o mundo fosse mudar para milhões de consumidores, houve uma verdadeira revolução no mundo mas ninguém escreveu uma linha.
A revolução foi feita por uma empresa centenária, alemã, que há dez anos não lançava uma nova versão do seu produto, com uma marca que nos remete para o filme exterminador implacável: TM-31.
Pois, para 500 milhões de ex-analfabetos dos meandros misteriosos da cozinha, a TM-31 é um auxiliar precioso, e o exemplo perfeito de um produto que se tornou standard no mercado, criando uma nova necessidade: o produto chama-se robot de cozinha e a marca, em Portugal, chama-se Bimby!
Sim, a empresa chama-se Vorwerk, o produto em quase todo o mundo chama-se Thermomix 31 mas em Portugal ficou conhecido com a Bimby, uma verdadeira senhora líder de vendas. Um preço que é o dobro da concorrência (perto dos mil euros) e o exemplo de um produto a usar os métodos de venda através de agentes e de conhecidos para ganhar o coração de milhares de compradores.
Ora, o que aconteceu? Surgiu a Bimby 5ª Geração. Ou no resto do mundo, a TM5. O problema para a administração alemã é que quando lançaram a última ainda não havia Internet nem Facebook. E a rigidez alemã fez o resto. Um problema de relações públicas difícil de lidar e com a quebra de confianças de muitos consumidores na empresa.
Isto porque? Ao contrário do mundo actual, em que empresas de segmentos tão diferentes como o automóvel ou os telemóveis, transformam os lançamentos em eventos, altamente programados e publicitados, a Vorwerk lança o produto a nível mundial no dia 05 de Setembro ao final do dia (uma sexta), sem anunciar nada a ninguém e tendo vendido a Bimby Clássica até à véspera…. Pois, acaba de comprar um produto de 1000 euros que é suposto durar uma eternidade (são alemãs, super resistentes) e de repente há uma máquina que tem um ecrã táctil, um só botão e receitas assistidas por computador, em que o utilizador só precisa seguir as instruções do teclado?
Para agravar o facto, a Bimby Portugal esteve encerrada para férias durante a primeira semana de Setembro, reabrindo no dia 8 para um verdadeiro festival no Facebook de recriminações, insultos e o sentimento de revolta de milhares de consumidoras…
Quais os erros da empresa? Vários. Não anunciaram a alternativa, dando oportunidade às pessoas de optarem por uma das duas (a nova geração custa mais 100 euros) com uma política de descontos ou facilidades de pagamento nos últimos meses. Não fizeram do lançamento da nova uma enorme festa que promovesse ainda mais a empresa e potenciasse vendas. Demoraram a responder no facebook, e fizeram um comunicado difícil de ser credível. Tudo isto criou uma opinião desfavorável nos clientes.
Mas o erro mais grave não é esse. É que o modelo de negócio da Bimby/Thermomix é baseado na CONFIANÇA dos consumidores no produto e na empresa. O agente vai à sua casa porque você tem confiança no produto que ele vende e porque o seu nome foi referenciado por outra pessoa que tem uma Bimby. Um modelo conceptualizado pela Tupperware e que continua a funcionar em milhares de produtos. Desde que sejam credíveis…
Claro que não é um erro de comunicação. É também de gestão, de modelo mental de funcionamento. Mas é por falhas destas que as empresas sofrem. Sinceramente, acho que a Vorwerk não percebeu onde se estava a meter. Uma base de 500 milhões de consumidores não se insulta com segredo. A partilha deve ser incorporada no modelo da empresa.
E o mais curioso é que as receitas na nova TM5 não são compatíveis com a TM31. Claro que a empresa, que edita uma revista, diz que vai continuar a apresentar receitas para a TM31… Pois, mas acredito que vão ser os actuais consumidores a juntarem-se em sites e fóruns e a unirem-se. A Vorwerk pode ter mudado um produto líder. Veremos se continua líder e se volta a conquistar o público que perdeu a confiança na empresa, não no produto…
(este texto foi publicado originalmente no blog DIGITAL AGE)